Apontamentos
sobre o livro de Michel
Foucault, Vigiar e Punir (1975)
por
Fernando Vitório Frazão
Texto
elaborado a partir de uma exposição feita no âmbito da disciplina
Direito e Sociedade
Trabalho de: Fernando
Vitório Frazão
1.
Introdução
2.
Contexto
3.
Estrutura do Texto
4. Possíveis Ideias da Obra
5. Algumas considerações em jeito de
interrogação
Bibliografia
e artigos consultados
1.
Introdução.
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da
página]
“Vigiar
e Punir”, sendo aparentemente uma história de delinquência e de prisões,
vai muito além disso, já que a prisão mais não será de que uma das
formas disciplinadas da organização do poder, levantando-se assim matéria
para reflexão sobre o funcionamento da sociedade, em especial a organização
do poder e a sua relação com os indivíduos dessa mesma sociedade, bem
como o próprio Direito dessa mesma sociedade ou Estado.
Foucault,
desde a publicação do seu primeiro trabalho “Doença mental e
personalidade”, em 1954, até ao seu desaparecimento em 1984, escreveu
sobre assuntos como a loucura, a doença, o crime, os discursos, a
sexualidade. Sociólogo, historiador, filósofo, Foucault fornece dados
interpretativos e de reflexão sobre os temas das relações do poder, da
formação dos saberes ou ainda das formas de subjectividade do presente.
Alguns
autores dividem o seu trabalho em 3 fases (D’Arcy, 2004:116): a fase
arqueológica, que compreenderá as obras escritas nos anos 60; a fase
genealógica, que compreenderá as obras escritas nos anos 70 e a fase dos
trabalhos éticos escritos nos anos 80.
Outros
(Ewald:2000), todavia, identificam 4 trabalhos marco na obra de Foucault:
História da Loucura (1961); Nascimento da Clínica (1963); Vigiar e Punir
(1975) e História da Sexualidade – Vontade de Saber (1976).
Esta
não coincidência de análise, permite-nos, antes de mais, constatar que
a obra deste autor não é de fácil apreensão nem de fáceis consensos.
Independentemente de qualquer divisão - se é que se pode falar em
compartimentos na sua obra - “Vigiar e Punir” é apontado como um
marco do autor. Terá sido a sua grande obra. Verifica-se uma evolução
do pensamento de Foucault, onde o seu método passa de arqueológico
a genealógico. Terá sido o próprio
Foucault a afirmar “É o meu
primeiro livro”(Ewald, 2000: 20).
2.
Contexto
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página]
Na
sua obra, Foucault refere vários autores, tais como Beccaria, Bentham,
Marx, Weber, etc. Todavia, se é verdade que “Vigiar e Punir” está
cheio de referências, o estilo utilizado é diferente das formas
tradicionais de citação ou referência, já que na escrita de Foucault não
há interpretação ou reverência às posições desses autores. Essas
referências servirão somente para melhor situar o leitor na matéria ou
assunto em causa. Foucault utiliza discursos, documentos ou arquivos, sem
qualquer hierarquia entre eles, não dando primazia ao que se tem vindo a
convencionar de grandes escritos ou obras.
Foucault
escreveu esta obra já como professor do “College de France” e depois
de ter estado na Tunísia onde o contacto com as prisões o terá
influenciado na evolução do seu pensamento, expresso nesta obra.
“Vigiar e Punir”, reflecte a consolidação/mudança do pensamento de
Foucault que o levam a fazer a análise social que emerge desta obra e que
mais não será que o reflexo de um conjunto de acontecimentos nos anos
que antecederam a publicação desta obra tais como os movimentos de
libertação das colónias, a influência da guerra-fria e, talvez o mais
importante, o reforço das ideias e da importância da esquerda nas
sociedades europeias.
3.
Estrutura do Texto
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da
página]
“Vigiar
e Punir”, que tem 4 partes: Suplicio,
Punição, Disciplina e Prisão, não
adopta um estilo clássico, com introdução, corpo e conclusão, mas,
numa análise mais atenta, é possível ver que Foucault nos dá uma obra
que tem também essa característica: introduz um tema que vai
desenvolvendo ao longo do livro, sendo que e a última parte é como que
um rematar do pensamento antes desenvolvido. É certo que de forma
diferente e não conclusiva, no sentido do fecho de uma determinada matéria
ou da assumpção de uma verdade ou situação final. Atente-se que a
parte do Suplicio nada mais faz do que situar o leitor numa fase anterior
ao Século XX (XVIII e XIX) para que se possa perceber a evolução do
sistema das penas, dos condenados, para depois de fazer esta referência,
tentar perceber o que seja o sistema prisional e as técnicas
disciplinares para, seguidamente e por último, poder entender o que mais
interessa a Foucault: a análise do poder, a sua organização e o modo
como os cidadãos se movimentam ou são conduzidos nessa mesma sociedade
no sentido de a esta mesma sociedade ou ao poder serem úteis.
4.
Possíveis Ideias da Obra
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da
página]
A
lombada da capa da tradução portuguesa de “Vigiar e Punir”
(Foucault, 2004 trad. port.) refere que se trata de “um
estudo científico (…) sobre a evolução histórica da legislação
penal e respectivos métodos e meios coercitivos e punitivos adoptados
pelo poder público na repressão da delinquência….O autor aborda esse
grave problema que a sociedade humana e as autoridades públicas sempre
tiveram de enfrentar: a criminalidade.(…) Aparentemente alega-se não
tanto o castigo dos delinquentes mas a sua recuperação, a fim de integrá-los
na sociedade”. Todavia, outros autores, têm entendimento diverso
sobre o que pode depreender desta obra, “nomeadamente
que esta é um amplo estudo sobre a disciplina na sociedade moderna, (…)
Foucault analisou os processos disciplinares empregados nas prisões,
considerando-os exemplos da imposição às pessoas e padrões
“normais” de conduta estabelecida pelas ciências sociais. A partir
desse trabalho, explicitou-se a noção de que as formas de pensamento são
também relações de poder, que implicam a coerção e imposição.”(Esboço
Biográfico, 2004).
Partindo
destes dois comentários introdutórios e lendo a sua obra, vê-se com
mediana clarividência que o que preocupa Foucault, é o poder e a sua
organização, o sistema prisional, as técnicas disciplinares
direccionadas para a normalização dos indivíduos desviantes,
ou a imposição das penas onde sobressai na sua análise que o individuo
é punido pelo que é e não tanto pelo que fez.
Não
aborda os problemas de uma maneira clássica ou sobre uma mesma
perspectiva. É uma forma desconcertante para o leitor mais desprevenido.
Foucault, nesta obra, transmite a ideia de que a genealogia do poder
punitivo e prisional nos ensina que a substituição dos castigos físicos
e do horror dos suplícios por sanções correctivas passará pelo
progresso das ciências sociais. A prisão não servirá tanto para privar
da liberdade pelo castigo do crime cometido, mas afinal para dominar,
educar, corrigir.
Há, assim, para ele, uma perniciosa utilização da prisão. Este poder
em conjugação com o saber usa de formas insidiosas mas eficazes no seu
objectivo. E daqui decorrerá a concepção de que o sistema penal tem por
finalidade vigiar e punir.
Para
Foucault esse poder não se esgotará na prisão, no uso que nela se fará
de uma vigilância constante, através no “Panoptismo de Bentham”, mas
também nas fábricas, nas escolas, nos quartéis ou nos hospitais, que
para Foucault é a sociedade de vigilância
ou sociedade disciplinar, a qual, repete-se, serve para tornar úteis os
membros da sociedade. No seu modo de ver a sociedade, o poder não é
meramente repressor, mas também produtor, no sentido em que modela os espíritos
e os corpos, ou seja, o poder disciplinar que é exercício em toda a
sociedade.
Tentando
percepcionar algo sobre o seu pensamento relativo ao Direito, merece referência
que para Michel Foucault as “disciplinas” não constituem nada mais do
que um infradireito (Foucaul, 2004 trad. port: 183); para ele os sistemas
jurídicos qualificam os sujeitos de direito, segundo normas universais,
enquanto as disciplinas caracterizam, classificam, especializam,
hierarquizam os indivíduos em relação uns aos outros. Para Foucault
dois principais poderes existem nas sociedades modernas: por um lado o
poder disciplinar, poder dominante e centrado nas ciências e, por outro,
o poder jurídico, centrado no Estado, mas com a lei num processo de declínio
(Santos, 2002).
5.
Algumas considerações em jeito de interrogação.
Foucault,
crítico da organização das nossas sociedades? Anarquista?
Desconstrutivista? Seja qual for a catalogação que se queira dar, o que
releva é que a sua obra tendo uma boa dose de cepticismo é, todavia,
percursora no modo como nos direcciona para problemas ou questões que
assumem relevância na sociedade. Sendo uma obra crítica da sociedade
moderna, apela a algumas transformações sociais, nomeadamente à fuga à
normalidade, ao demonstrar como as nossas sociedades punem o que foge a
essa mesma norma.
Numa
perspectiva jurídica, esta obra levanta interrogações sobre como
encarar o Direito e a própria lei, nomeadamente que opções legislativas
são tomadas, como é aplicada a lei, contribuindo para um olhar mais
atento, quiçá diferente, sobre o nosso sistema jurídico. Por outro
lado, aparentando Foucault ser um pensador não muito crente no Direito,
especialmente no Direito Natural e não fornecendo hipóteses concretas de
solução ou do caminho a seguir, ao ler-se esta obra sente-se alguma
melancolia misturada com um forte sentimento de inquietação e talvez,
mesmo, alguma contradição, podendo perguntar-se: que devemos tipificar
como crime? Como se deve punir? Afinal, qual a finalidade das prisões?
Qual a melhor forma organizada de viver em sociedade? Existindo dois
poderes como identifica Foucault, qual a adequada relação que deve
existir entre poder jurídico e poder disciplinar? Será que a nossa
sociedade está a caminhar (no sentido da mudança) para cada vez
assumirem mais importância os poderes disciplinares e menos o poder jurídico?
Será possível conceber um Poder que contribua para uma efectiva defesa
dos interesses dos indivíduos?
Mas
porque se fala em poder, independentemente de que tipos de poder se podem
conceber, com a respectiva carga negativa que o mesmo encerra, será que o
entendimento de que “o poder tem que ser sempre destabilizado, ser
sempre criticado (e) mesmo quando a gente concorda ou apoiou quem está no
poder, temos de ter sempre uma atitude crítica” (Veríssimo, 2005), não
terá sido também a preocupação ou o sentido da obra de Foucault?
Ou,
afinal, tudo se resume, e não é pouco, ao que terá dito Foucault “…todo
o empreendimento de Vigiar e Punir é uma tentativa de responder a esta
pergunta (a mudança) e mostrar como um novo modo de pensar se
instaurou” e que “Vigiar e Punir tem por objecto as instituições e
os princípios sociais”.(Verité, Pouvoir e Soi: 1982)´?
Mas
porque o título desta obra e o seu próprio texto se referem e se situam
ao redor do entendimento da prisão e da sua finalidade, como ilustração
de quanto este livro poderá significar como ponto de partida ou de
interrogação sobre o funcionamento e organização da sociedade actual,
do Direito, dos Estados, da relação entre estes e os indivíduos,
afigura-se a propósito a transcrição de um parágrafo do prefácio da
autoria de Nietzsche à obra “Genealogia da Moral”: “Este
problema do nascimento da prisão não parece ser, à primeira vista, senão
uma questão isolada, um ponto de interrogação singular e excepcional;
mas a quem aqui se detiver uma única vez, a quem souber interrogar
deparar-se-lhe-á o que a mim se deparou: à sua frente verá abrir-se uma
perspectiva nova, imensa, a visão de uma possibilidade apoderar-se-á
dele como uma vertigem, hão-de surgir-lhe toda a espécie de desconfianças,
de suspeitas, a sua fé na moral, em toda a moral ….”(Ewald, 2000:
19)
Lisboa,
21 de Fevereiro de 2005
Bibliografia
e artigos consultados
[topo
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página]
-
Ewald,
François, Foucault, A Norma e o Direito, Comunicação & Linguagens, 2ª Edição,
2000, tradução de António Fernando Cascais;
-
Foucault,
Michel, - Vigiar e Punir, tradução
para Português de Raquel Ramalhete, 26ª Edição, Editora Vozes, Petrópolis,
2004;
-
Garapon,
Antoine/ Gros, Frédéric/ Pech, Thierry, Punir em
Democracia, Instituto Piaget, 2002;
-
Pakosz,
Reginald / Chagani, Fayaz –
The Carceral Society- http://www.geocities.com/Athens/Agora/9095/carceral.html
(14-12-2004);
-
Santos,
Boaventura de Sousa, Toward a Non
Legal Common Sense, Second Edition, Butterworths , Lexis Nexis, 2002;
-
Veríssimo,
Luís Fernando, Entrevista, Diário
de Notícias, Lisboa, 24-02-2005;
-
Verité,
pouvoir et soi.
(entretien avec R. Martain, Université du Vermont, 25 de octobre 1982).
Traduzido a partir de Foulcault, Michel. Dits et écrits. Paris:
Gallimard, 1994, vol. IV, pp.777-783, por Wanderson Flor do Nascimento - http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/verite.html
(13-12-2004).
-
1ª fase: História da Loucura (1961), em que nesta obra há uma certa
ideia de razão, que à priori é algo construída pela história,
pela época e, por isso, para Foucault, será preciso saber melhor
sobe a construção histórica;
-
2ª fase: As Palavras e as Coisas (1966), em que há uma apologia dos
discursos, da análise da ordem e da desordem, em que se denota que há
a convicção que pelo discurso humano se poderá mandar no mundo.
Subjacente a esta obra, estará a ideia segundo a qual o que
condiciona o nosso pensamento não são apenas aqueles grandes
factores técnicos e sociais (tecnologia, imprensa, estratégias,
etc.), mas mais importante será perceber como é que em cada época o
discurso se condiciona a si próprio. Segundo Guibentif é com esta
obra que Foucault passa a ter lugar entre os grandes pensadores
franceses;
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3ª fase: nos anos 70, Foucault passa a intervir em várias lutas
sociais, como as em favor de condições de detenção aceitáveis ou
nas reivindicações homossexuais. Nesta fase constata a aparição de
um poder robusto que se mantém pela simples aceitação por parte do
povo. Aceitação esta que só se verifica pela força, pela manipulação.
Discute-se o tema do “controle social”, cujo momento culminante é
a publicação em 1975 do livro “Vigiar e Punir” em que parece que
o objectivo do Foucault é provocar transformação na percepção pública
do poder;
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