Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE
Secção Autónoma de Direito
Mestrado "Novas Fronteiras do Direito"
Página actualizada em Junho de 2008

 

Novas Fronteiras do Direito
no "site" do ISCTE

 

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Objectivos pedagógicos

Destinatários  

Enquadramento teórico (por Maria Eduarda Gonçalves)

 

Objectivos pedagógicos       [voltar ao índice]  

> Promover a formação avançada e a investigação científica no domínio do Direito, com relevo para algumas dimensões importantes do direito contemporâneo;

> Introduzir o estado actual dos debates sobre o direito quer no âmbito da Teoria do Direito, quer a partir de outras disciplinas como a Sociologia e a Economia;

> Aprofundar o estudo das relações entre o direito e outros domínios diferenciados de actividade social, designadamente a economia e a política;

> Abordar ramos de direito de formação recente ou em acentuada transformação sob o impulso da mudança tecnológica, dos processos de globalização e da rápida mudança nos padrões socioculturais, facultando aos mestrandos a escolha de um leque de disciplinas em função dos seus interesses específicos;

> Orientar os mestrandos na utilização de metodologias de investigação, tendo em vista, em particular, a preparação da dissertação, com introduções adaptadas a diferentes públicos do mestrado com formação de base em ciências jurídicas ou em outras ciências humanas e sociais.
 

Destinatários                        [voltar ao índice]  

> O Curso foi concebido de modo a adequar-se aos interesses de licenciados em Direito e noutros domínios das Ciências Sociais e Humanas, não só dada a amplitude de temas e perspectivas na parte escolar, mas também dada a flexibilidade de escolha de tópicos de investigação. O Mestrado tem, assim, por destinatários:

a) Profissionais do Direito (advogados, juízes, magistrados do Ministério Público, técnicos da administração pública, etc.);

b) Profissionais das Ciências Sociais e Humanas ou, em casos excepcionais, de outros domínios científicos e técnicos que, no exercício da sua actividade ou por interesse de ordem cultural, aspirem a compreender melhor as dinâmicas da produção e da aplicação do direito;

c) Estudantes recém-licenciados em Direito ou noutras Ciências Sociais e Humanas

 

Enquadramento teórico     [voltar ao índice]

por Maria Eduarda Gonçalves

As sociedades contemporâneas são atravessadas por novas e variadas dinâmicas de mudança: o profundo e acelerado progresso das ciências e das tecnologias e a sua crescente imbricação social; a generalizada percepção dos riscos ambientais e de saúde pública associados ao desenvolvimento industrial e tecnológico; os processos de globalização nas suas diversas facetas; e a rápida mudança nos padrões culturais e de reclamação social. As transformações em curso têm posto em evidência a necessidade de adaptar ou de renovar regras e instituições jurídicas construídas no quadro da sociedade liberal industrial e do Estado-providência.

A relevância transversal que adquirem as tecnologias da informação e da comunicação e a economia dos bens imateriais comporta modificações, porventura radicais, nos direitos da propriedade e da liberdade. Os impactes das ciências e tecnologias na natureza e na vida do indivíduo induzem uma maior receptividade do direito à incorporação de princípios e normas de fundamento ético. As preocupações crescentes com a segurança nos domínios ambiental e urbano, sanitário e alimentar, reflectem-se num maior envolvimento quer de peritos, quer do público, na formação da norma jurídica.

Com a entrada em cena de novos actores políticos (instâncias internacionais, europeias, regionais, locais, governamentais e não governamentais), a globalização das forças do mercado, a diluição da fronteira entre o sector público e o sector privado, questionam-se as formas tradicionais de governo e de produção legislativa. O modelo de um direito imposto por um Estado centralizador e hierárquico dá lugar ao de um direito negociado, por vezes, em fóruns híbridos, a meio caminho entre o direito e a auto-regulação (códigos de conduta, normas técnicas, etc.), produzido sob a égide de um Estado que se poderá qualificar de “impulsionador”. No domínio da democracia política, ensaiam-se novas formas de democracia participativa e de consulta dos cidadãos. A resolução de litígios em meio judicial é antecipada ou substituída por modos alternativos, considerados mais flexíveis e informais, como a arbitragem ou a mediação.

A regulação jurídica expande-se e os seus métodos transformam-se. As fronteiras do direito tornam-se mais fluídas com a «juridicização» de normas técnicas e sociais, por um lado, e com a especialização e «tecnicização» das normas jurídicas, por outro. O direito, concebido pela modernidade como um sistema unificado, hierarquizado, internamente coerente, estável e de aplicação geral – expressão da racionalização que acompanhou a revolução moderna – é chamado a dar respostas rápidas, mutáveis, específicas, num contexto político que questiona os limites tradicionais do exercício do poder estatal e se caracteriza por acentuada complexidade e incerteza.

Mas, como foi já sublinhado, a crise da razão jurídica clássica, ao recusar a legitimidade de princípio da norma jurídica, não significa por si só a queda na irracionalidade. A reconstrução da legitimidade do direito passa, assim, a ser procurada no seu pluralismo e diversidade, na qualidade técnica do seu conteúdo e na legitimidade dos seus procedimentos.

É importante, em face deste cenário, uma reflexão crítica no âmbito de uma teoria do direito que se manteve até hoje largamente centrada na norma jurídica e no seu formalismo. Esta reflexão não deve ignorar a relevância de uma articulação mais profunda entre a ciência do direito e as outras ciências sociais e humanas.

O objectivo central deste projecto de Mestrado na área do Direito é introduzir no currículo de ensino e de investigação do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) um conjunto de abordagens centradas nos desafios com os quais, quer a produção e a aplicação da lei, quer a ciência do direito, se confrontam em face das dinâmicas, conflitos e exigências das sociedades contemporâneas.

Como instituição universitária que exerce actividade nos domínios das ciências sociais e humanas, da gestão e das tecnologias, o ISCTE oferece um quadro particularmente vocacionado para abordagens de carácter transdisciplinar, inovadoras, à investigação e ensino de áreas do Direito que têm emergido e se têm desenvolvido sob o impulso das mudanças tecnológicas, socioeconómicas e políticas que caracterizam a sociedade contemporânea.

 

Uma abordagem transdisciplinar ao estudo do Direito
 

Ao longo da história, o direito tem sido entendido, ora como uma construção racional assente nas leis da natureza ou na razão do homem e expressa em leis positivas, ora como um mecanismo de organização das relações humanas ou de resolução de conflitos. A teoria do direito tem sido marcada por uma tensão entre o Direito concebido essencialmente como um sistema de normas ou de comandos (que encontrou a sua expressão mais acabada na doutrina positivista) e o Direito entendido como um produto social, que colhe inspiração no conceito de «direito vivo», na «sociological jurisprudence» ou no realismo jurídico americano.

Nos países anglo-saxónicos e particularmente nos EUA, a teorização do direito, quer no âmbito da ciência jurídica, quer da sociologia ou da economia, tem-se concentrado menos na estrutura lógica das normas do que na força da decisão judiciária, na criação de precedentes e de um modo mais geral nos efeitos económicos e sociais do direito em sociedade. É também nos países anglo-saxónicos que, reagindo contra o positivismo normativo, alguns autores têm posto a ênfase nas dimensões ético-morais, que exigiriam que o direito fosse apreciado em função da sua congruência com a moral e a ética ou o seu respeito pela autonomia moral do indivíduo [1].

Às visões pragmáticas ou centradas nos direitos morais do indivíduo opõe-se a representação tradicional do Direito dominante nos países do continente europeu. Nestes tem prevalecido a ideia que o direito é um sistema normativo fechado e que as relações sociais se fundam noutras bases que não as jurídicas. Aqui, os juristas têm sido, em consequência, reticentes a apoiar-se no trabalho de outras disciplinas, incluindo nas disciplinas empenhadas em estabelecer pontes entre a ciência jurídica e as ciências sociais, tais como a sociologia do direito, que tiveram que vencer consideráveis obstáculos para se afirmarem nas universidades. Não admira que um dos temas mais debatidos, nestas disciplinas, seja o da distância entre a prática institucional do direito e as restantes actividades sociais, um debate para o qual têm contribuído, em particular, as teorias que concebem o direito como sistema autopoiético. 

No contexto das culturas jurídicas tanto anglo-saxónica como continental, é hoje imperativo que as questões que podem beneficiar de análises jurídicas, económicas e sociológicas sejam objecto de perspectivas transdisciplinares. Se o direito não se reduz à norma, passa então a ser indispensável atender aos objectivos de política e aos valores éticos e morais subjacentes às regras e princípios legais.

Nesta perspectiva, uma proposta interessante consiste em analisar o direito como constitutivo de situações de acção: as categorias jurídicas criariam actores e procedimentos de coordenação, direitos subjacentes e relações entre sujeitos de direito. Em lugar de serem entendidas como meros revestimentos superficiais ou constrangimentos imperativos dos comportamentos individuais, as categorias jurídicas seriam constitutivas da identidade e da racionalidade dos sujeitos e criadoras de instituições e procedimentos. O direito pode ser visto, além disso, como um instrumento de iniciativas de actores individuais e colectivos que procuram interpretá-lo, modificá-lo ou preservá-lo no interesse próprio. Trata-se, assim, de desenvolver uma teoria da relação entre regras e acção fundada numa visão do funcionamento do direito como mecanismo social, situando a observação socioeconómica no coração das disposições jurídicas [2].

As realidades da sociedade contemporânea, as incertezas que atravessam a produção da norma jurídica e a sua aplicação, a influência de novos agentes na formação e conteúdo do direito, a crescente subordinação deste aos objectivos de políticas, dão suporte empírico às teorias que valorizam o direito no seu contexto, apelando a uma maior reflexividade interna ao direito. O método dogmático tradicional assente no levantamento sistemático de legislação, jurisprudência, trabalhos preparatórios e doutrina deve, por isso, ser complementado pelo desenvolvimento de abordagens aos fenómenos que constituem objecto da regulação jurídica, o que requer uma aproximação do direito às outras ciências do homem e da sociedade. Esta aproximação representa hoje «uma das condições do desenvolvimento de um pensamento jurídico vivo e criativo que interroga as estruturas dos direitos em vez de se submeter»[3].

Lisboa, Maio de 2004


[1] Por exemplo, Dworkin,  R. (1982) “Is law a system of rules?” in R. M. Dworkin (ed.), The Philosophy of Law, Oxford: Oxford University Press, 38-65.

[2] Para um balanço recente das potencialidades desta abordagem, ver Kirat, T. e E. Severin (eds.) (2000), Le droit dans l’action économique, Paris : C.N.R.S. Éditions.

[3] Stern, B. (dir.) (1994), Livre Blanc des Assises Nationales de la Recherche Juridique, Paris : LGDJ. Cf. ainda P. Wahlgren (2000), On the future of legal science”, in P. Wahlgren (ed.), Legal Theory, Estocolmo: Stockholm Faculty of Law, p. 521.

 


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