Instituto
Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE |
||
Novas
Fronteiras do Direito
Objectivos
|
Objectivos ÍndiceObjectivos pedagógicos
Destinatários
Enquadramento teórico (por Maria Eduarda Gonçalves)Objectivos
pedagógicos
[voltar
ao índice]
>
Promover a formação avançada e a investigação científica no domínio do
Direito, com relevo para algumas dimensões importantes do direito contemporâneo; >
Introduzir o estado actual dos debates sobre o direito quer no âmbito da Teoria
do Direito, quer a partir de outras disciplinas como a Sociologia e a Economia; >
Aprofundar o estudo das relações entre o direito e outros domínios
diferenciados de actividade social, designadamente a economia e a política; >
Abordar ramos de direito de formação recente ou em acentuada transformação
sob o impulso da mudança tecnológica, dos processos de globalização e da rápida
mudança nos padrões socioculturais, facultando aos mestrandos a escolha de um
leque de disciplinas em função dos seus interesses específicos; >
Orientar os mestrandos na utilização de metodologias de investigação, tendo
em vista, em particular, a preparação da dissertação, com introduções
adaptadas a diferentes públicos do mestrado com formação de base em ciências
jurídicas ou em outras ciências humanas e sociais.
Destinatários
[voltar
ao índice]
> O Curso foi concebido de modo a adequar-se aos interesses de licenciados em Direito e noutros domínios das Ciências Sociais e Humanas, não só dada a amplitude de temas e perspectivas na parte escolar, mas também dada a flexibilidade de escolha de tópicos de investigação. O Mestrado tem, assim, por destinatários: a) Profissionais do Direito (advogados, juízes, magistrados do Ministério Público, técnicos da administração pública, etc.); b) Profissionais das Ciências Sociais e Humanas ou, em casos excepcionais, de outros domínios científicos e técnicos que, no exercício da sua actividade ou por interesse de ordem cultural, aspirem a compreender melhor as dinâmicas da produção e da aplicação do direito; c) Estudantes recém-licenciados em Direito ou noutras Ciências Sociais e Humanas
Enquadramento
teórico
[voltar
ao índice]
As
sociedades contemporâneas são atravessadas por novas e variadas dinâmicas de
mudança: o profundo e acelerado progresso das ciências e das tecnologias e a
sua crescente imbricação social; a generalizada percepção dos riscos
ambientais e de saúde pública associados ao desenvolvimento industrial e
tecnológico; os processos de globalização nas suas diversas facetas; e a rápida
mudança nos padrões culturais e de reclamação social. As transformações em
curso têm posto em evidência a necessidade de adaptar ou de renovar regras e
instituições jurídicas construídas no quadro da sociedade liberal industrial
e do Estado-providência. A
relevância transversal que adquirem as tecnologias da informação e da
comunicação e a economia dos bens imateriais comporta modificações,
porventura radicais, nos direitos da propriedade e da liberdade. Os impactes das
ciências e tecnologias na natureza e na vida do indivíduo induzem uma maior
receptividade do direito à incorporação de princípios e normas de fundamento
ético. As preocupações crescentes com a segurança nos domínios ambiental e
urbano, sanitário e alimentar, reflectem-se num maior envolvimento quer de
peritos, quer do público, na formação da norma jurídica. Com
a entrada em cena de novos actores políticos (instâncias internacionais,
europeias, regionais, locais, governamentais e não governamentais), a globalização
das forças do mercado, a diluição da fronteira entre o sector público e o
sector privado, questionam-se as formas tradicionais de governo e de produção
legislativa. O modelo de um direito imposto por um Estado centralizador e hierárquico
dá lugar ao de um direito negociado, por vezes, em fóruns híbridos, a meio
caminho entre o direito e a auto-regulação (códigos de conduta, normas técnicas,
etc.), produzido sob a égide de um Estado que se poderá qualificar de
“impulsionador”. No domínio da
democracia política, ensaiam-se novas formas de democracia participativa e de
consulta dos cidadãos. A resolução de litígios em meio judicial é
antecipada ou substituída por modos alternativos, considerados mais flexíveis
e informais, como a arbitragem ou a mediação. A
regulação jurídica expande-se e os seus métodos transformam-se. As
fronteiras do direito tornam-se mais fluídas com a «juridicização» de
normas técnicas e sociais, por um lado, e com a especialização e «tecnicização»
das normas jurídicas, por outro. O direito, concebido pela
modernidade como um sistema unificado, hierarquizado, internamente coerente, estável
e de aplicação geral – expressão da racionalização que acompanhou a
revolução moderna – é chamado a dar respostas rápidas, mutáveis, específicas,
num contexto político que questiona os limites tradicionais do exercício do
poder estatal e se caracteriza por acentuada complexidade e incerteza. Mas,
como foi já sublinhado, a crise da razão jurídica clássica, ao recusar a
legitimidade de princípio da norma jurídica, não significa por si só a queda
na irracionalidade. A reconstrução da legitimidade do direito passa, assim, a
ser procurada no seu pluralismo e diversidade, na qualidade técnica do seu
conteúdo e na legitimidade dos seus procedimentos. É
importante, em face deste cenário, uma reflexão crítica no âmbito de uma
teoria do direito que se manteve até hoje largamente centrada na norma jurídica
e no seu formalismo. Esta reflexão não deve ignorar a relevância de uma
articulação mais profunda entre a ciência do direito e as outras ciências
sociais e humanas. O
objectivo central deste projecto de Mestrado na área do Direito é introduzir
no currículo de ensino e de investigação do Instituto Superior de Ciências
do Trabalho e da Empresa (ISCTE) um conjunto de abordagens centradas nos
desafios com os quais, quer a produção e a aplicação da lei, quer a ciência
do direito, se confrontam em face das dinâmicas, conflitos e exigências das
sociedades contemporâneas. Como
instituição universitária que exerce actividade nos domínios das ciências
sociais e humanas, da gestão e das tecnologias, o ISCTE oferece um quadro
particularmente vocacionado para abordagens de carácter transdisciplinar,
inovadoras, à investigação e ensino de áreas do Direito que têm emergido e
se têm desenvolvido sob o impulso das mudanças tecnológicas, socioeconómicas
e políticas que caracterizam a sociedade contemporânea. Uma
abordagem transdisciplinar ao estudo do Direito
Ao
longo da história, o direito tem sido entendido, ora como uma construção
racional assente nas leis da natureza ou na razão do homem e expressa em leis
positivas, ora como um mecanismo de organização das relações humanas ou de
resolução de conflitos. A teoria do direito tem sido marcada por uma tensão
entre o Direito concebido essencialmente como um sistema de normas ou de
comandos (que encontrou a sua expressão mais acabada na doutrina positivista) e
o Direito entendido como um produto social, que colhe inspiração no conceito
de «direito vivo», na «sociological jurisprudence» ou no realismo jurídico
americano. Nos
países anglo-saxónicos e particularmente nos EUA, a teorização do direito,
quer no âmbito da ciência jurídica, quer da sociologia ou da economia, tem-se
concentrado menos na estrutura lógica das normas do que na força da decisão
judiciária, na criação de precedentes e de um modo mais geral nos efeitos
económicos e sociais do direito em sociedade. É também nos países anglo-saxónicos
que, reagindo contra o positivismo normativo, alguns autores têm posto a ênfase
nas dimensões ético-morais, que exigiriam que o direito fosse apreciado em função
da sua congruência com a moral e a ética ou o seu respeito pela autonomia
moral do indivíduo [1]. Às
visões pragmáticas ou centradas nos direitos morais do indivíduo opõe-se a
representação tradicional do Direito dominante nos países do continente
europeu. Nestes tem prevalecido a ideia que o direito é um sistema normativo
fechado e que as relações sociais se fundam noutras bases que não as jurídicas.
Aqui, os juristas têm sido, em consequência,
reticentes a apoiar-se no trabalho de outras disciplinas, incluindo nas
disciplinas empenhadas em estabelecer pontes entre a ciência jurídica e as ciências
sociais, tais como a sociologia do direito, que tiveram que vencer consideráveis
obstáculos para se afirmarem nas universidades. Não admira que um dos temas
mais debatidos, nestas disciplinas, seja o da distância entre a prática
institucional do direito e as restantes actividades sociais, um debate para o
qual têm contribuído, em particular, as teorias que concebem o direito como
sistema autopoiético. No
contexto das culturas jurídicas tanto anglo-saxónica como continental, é hoje
imperativo que as questões que podem beneficiar de análises jurídicas, económicas
e sociológicas sejam objecto de perspectivas transdisciplinares. Se o direito não
se reduz à norma, passa então a ser indispensável atender aos objectivos de
política e aos valores éticos e morais subjacentes às regras e princípios
legais. Nesta
perspectiva, uma proposta interessante consiste em analisar o direito como
constitutivo de situações de acção: as categorias jurídicas criariam
actores e procedimentos de coordenação, direitos subjacentes e relações
entre sujeitos de direito. Em lugar de serem entendidas como meros revestimentos
superficiais ou constrangimentos imperativos dos comportamentos individuais, as
categorias jurídicas seriam constitutivas da identidade e da racionalidade dos
sujeitos e criadoras de instituições e procedimentos. O direito pode ser
visto, além disso, como um instrumento de iniciativas de actores individuais e
colectivos que procuram interpretá-lo, modificá-lo ou preservá-lo no
interesse próprio. Trata-se, assim, de desenvolver uma teoria da relação
entre regras e acção fundada numa visão do funcionamento do direito como
mecanismo social, situando a observação socioeconómica no coração das
disposições jurídicas [2]. As realidades da sociedade contemporânea, as incertezas que atravessam a produção da norma jurídica e a sua aplicação, a influência de novos agentes na formação e conteúdo do direito, a crescente subordinação deste aos objectivos de políticas, dão suporte empírico às teorias que valorizam o direito no seu contexto, apelando a uma maior reflexividade interna ao direito. O método dogmático tradicional assente no levantamento sistemático de legislação, jurisprudência, trabalhos preparatórios e doutrina deve, por isso, ser complementado pelo desenvolvimento de abordagens aos fenómenos que constituem objecto da regulação jurídica, o que requer uma aproximação do direito às outras ciências do homem e da sociedade. Esta aproximação representa hoje «uma das condições do desenvolvimento de um pensamento jurídico vivo e criativo que interroga as estruturas dos direitos em vez de se submeter»[3].
Lisboa, Maio de 2004
[1]
Por exemplo, Dworkin, R.
(1982) “Is law a system of rules?” in R.
M. [2]
Para um balanço recente das potencialidades desta abordagem, ver Kirat,
T. e E. Severin (eds.) (2000),
Le droit dans l’action économique, Paris : C.N.R.S. Éditions. [3] Stern, B. (dir.) (1994), Livre Blanc des Assises Nationales de la Recherche Juridique, Paris : LGDJ. Cf. ainda P. Wahlgren (2000), On the future of legal science”, in P. Wahlgren (ed.), Legal Theory, Estocolmo: Stockholm Faculty of Law, p. 521.
|