Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE
Secção Autónoma de Direito
Mestrado "Novas Fronteiras do Direito"
Actualizado em Junho de 2005

Novas Fronteiras do Direito
no "site" do ISCTE

 

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Apontamentos sobre o texto de Michel Foucault, "A Governementalidade" (1978)

por Jorge Manuel Lopes da Costa
Texto elaborado a partir de uma exposição feita no âmbito da disciplina 
Direito e Sociedade


Introdução

A aula surge na sequência de uma série de assuntos analisados – segurança, população, governo – e centra-se precisamente no último elemento desta série: a governação.

Os elementos analisados por Foucault residem em textos que, em dado momento histórico, têm a ver, de alguma forma, com o que é suposto um governante fazer.

Numa primeira fase, desde a Antiguidade greco-romana até à Idade Média, existem “tratados” cujo objectivo é o de aconselhar o “príncipe” no sentido de manter o seu “principado”.

Conselhos sobre: Como se comportar exercer o seu poder; fazer aceitar e respeitar pelos seus súbditos.

Numa outra perspectiva: Como amar e obedecer a Deus; como fazer aceitar a lei de Deus na cidade dos Homens.

No séc. XVI - XVII,  passam a existir textos que não são “manuais” de governação para o príncipe, mas também não são ainda tratados de ciência política: são textos sobre “a arte de governar”, “o governo de si próprio, “o governo das almas”, “o governo das crianças”, e também “o governo do estado por parte de um príncipe”.

Foucault diz: “De um lado, a concentração estatal; doutro, a dispersão e dissidência religiosa”.

Foucault começa a analisar “uma problemática do governo em geral”, isolando alguns aspectos que estão associados ao “governo do Estado”. Compara “O Príncipe” de Maquiavel com um texto época “Miroir Politique”, de Guillaume de la Perrière) que fala de uma “arte de governar”.

A arte de governar

Esta “arte de governar” tem de ser dissociada da habilidade de um príncipe em fazê-lo.

Maquiavel fala de uma relação de exterioridade entre o príncipe e o seu principado. O laço que os liga resulta de violência, de tradição (sucessão), de alianças com outros príncipes, e não de uma ligação natural, fundamental, jurídica. Enquanto relação de exterioridade, frágil, será ameaçada; por outros príncipes, ou por parte de quem não aceita a autoridade do príncipe.

“O objecto do exercício do poder é o de manter, reforçar e proteger o principado”. A arte de governar consiste na preservação dos elos entre o príncipe e o principado. Mas a literatura anti‑maquiavélica diz que: a “arte de governar” não é a “habilidade em conservar o principado”.

O texto de Guillaume de la Perrière – “Miroir Politique”

1 - O que se entende por “governar” e por “governante”?

“Governante” é qualquer monarca, imperador, príncipe, magistrado, prelado, juiz, etc.

Para Maquiavel, o príncipe é do principado, numa posição de exterioridade e transcendência. Mas existem práticas de governação que respeitam a muita gente: o pai de família, o superior do convento, o perceptor dos discípulos. O governo do Príncipe é apenas uma modalidade específica de governação, relativamente a outras.

Foucault refere que Mothe le Vayer, um autor do Séc. XVI, terá escrito para um delfim três textos que se associam a três tipos de governo aceites na época:

- o governo de si mesmo: associado à moral;

- o governo de uma família: associado à economia;

- o governo de um estado: associado à política.

Há uma contraposição entre a singularidade transcendente do príncipe (Maquiavel), e a multiplicidade de actividades de governação próprias de quem tem o governo (Mothe le Vayer). A política tem uma singularidade que a distingue da economia e da moral, mas que exige uma continuidade essencial entre todas as matérias.

Continuidade DESCENDENTE

POLÍCIA

Continuidade ASCENDENTE

PEDAGOGIA DO PRÍNCIPE

Num Estado bem governado, o pai de família deve saber:

Quem quer governar o Estado, deve também saber:

Tomar conta da família, bens e património.

Governar a si próprio. (MORAL)

Governar os seus bens, a sua família. (ECONOMIA).

Governar o seu estado. (POLÍTICA)

 

Para Jean-Jacques Rousseau, economia designa o bom governo da casa para o bem comum da família. A arte de governar consistiria em saber como utilizar a economia no Estado. “Governar” significa fazer funcionar a economia ao nível do Estado: a vigilância do pai de família na sua casa e bens / o controlo do governante sobre os seus habitantes e riquezas.

2 - Governar consiste em assegurar “a correcta disposição das coisas de que se toma conta para serem conduzidas a um fim conveniente”. Em que consistem essas “coisas”?

Para Maquiavel, o objecto / alvo do Poder são apenas o território e os seus habitantes. A SOBERANIA não é sobre as coisas mas sobre um território e só depois sobre os súbditos.

Para la Perrière, as “coisas” não têm a ver com um território, mas com as relações dos homens com o território (recursos naturais, clima), dos homens entre si (costumes, riqueza, cultura) e dos homens com o ambiente circundante (acidentes, epidemias).

3 - Que “fim conveniente” é esse que o governo deve respeitar?

O fim do governo deve ser “o bem comum” e “a salvação de todos”. O soberano legítimo nunca é simplesmente autorizado a exercer o seu poder, devendo evitar a arbitrariedade. Não pode ter interesses pessoais se estes não forem os do Estado.

Para Maquiavel, o objectivo principal do Principe é o de manter o seu principado.

Para la Perrière, “governar” consiste na correcta disposição das coisas, conduzindo-as a um fim aceitável. Não se impõem leis, as coisas são dispostas de acordo com tácticas.

O fim da SOBERANIA – encontrar em si própria os instrumentos de poder (LEI).

O fim do GOVERNO – aperfeiçoar os processos que dirige, usando tácticas como instrumento.

4 - Qual o comportamento a ter por parte de quem governa?

Paciência – temperança.

Sageza – saber o que precisa fazer.

Diligência – fazer apenas o que serve os governados.

O desbloqueamento da arte de governar

A perspectiva de análise da população permitiu eliminar definitivamente o modelo familiar, substituíndo-o pelo de uma massa de indivíduos colectivamente considerados.

A economia, recorrendo ao modelo da população, revelará as suas próprias regras e os efeitos próprios da agregação de indivíduos. A família desaparece como modelo de governo.

A população aparece como sujeito de necessidades, mas também como objecto nas mãos do governo, a ter em conta nas suas observações, para se conseguir governar de forma eficaz.

O resultado mais relevante da aparição do elemento “população” foi o aparecimento da “economia política”, ao nível de intervenção a nível de políticas económicas ou populacionais.

Da “arte de governar” a uma “ciência política”, de um regime de soberania a um regime de governo, o nascimento da economia política foi feita em torno do conceito de “população”.

A soberania

O seu papel aumentou quando a arte de governar se transformou em ciência política – procura‑se uma forma jurídica institucional, um fundamento de direito que se possa atribuir à soberania que caracteriza um Estado.

Segundo Jean-Jacques Rousseau, há necessidade de saber como, por consenso, se pode integrar um princípio geral de governo com um princípio geral de soberania.

A disciplina

Esta é necessária para gerir a população em profundidade. Nasce com as monarquias administrativas, de forma a gerir uma massa de fenómenos ou resultados de conjunto.

Existe um triângulo entre “governo”, que não substitui mas se associa à “disciplina”, e que não substitui mas se complementa com “soberania”. Este edifício tem por alvo a “população”, e necessita mecanismos a que se dá o nome de “dispositivos de segurança” (polícia).

A população surge como um dado, um campo de intervenção, que constitui o objecto das técnicas de governação, que isola a economia como um sector específico de realidades, e a economia política como ciência e como técnica de intervenção do governo no campo do real.

Conclusão

De acordo com o próprio Foucault, o nome atribuído ao curso no âmbito do qual proferiu esta aula deveria ser o de “História da Governamentalidade”, e isso por três coisas:

  1. Pela sua referência ao conjunto de instruções, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e tácticas que permitem exercer o poder na actualidade, o qual tem como alvo a população, como forma principal de intervenção a economia política, e como instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança.

  2. Pela tendência que, no Ocidente, dá proeminência a este tipo de poder (a que se pode chamar “governo”) sobre os demais, e que leva ao desenvolvimento de toda uma nova série de aparelhos específicos de governação, e ao desenvolvimento de todo um novo conjunto de saberes específicos.

  3. Pela análise dos resultados dos processos que conduziram o estado de justiça da Idade Média ao estado administrativo do séc. XVI, e culminaram no actual estado governamentalizado.

Existe uma valorização excessiva do Estado, que leva a dois comportamentos distintos: um exagero do seu papel na sociedade, ou uma postura redutora, minimalista.

O Estado é uma realidade complexa, uma abstracção mitificada, com importância muito menor do que se pensa. Para Foucault, “o que é importante nesta modernidade, na actualidade, não é tanto a estatização da sociedade, mas a ‘governamentalização’ do Estado”. O Estado de governação que se apoia na sua população e usa como instrumento o saber económico, corresponde a uma sociedade controlada por dispositivos de segurança: a “polícia”.

Idade Média

Territorialidade do tipo feudal

Sociedade regulada por leis e costumes

Séc. XV-XVI

Territorialidade de fronteiras

Sociedade de regras e de disciplina

Séc. XVIII

Massa populacional, que ocupa um determinado território

Sociedade controlada por dispositivos de segurança


Trabalho de estudante elaborado por Jorge Manuel Lopes da Costa no âmbito da disciplina Direito e Sociedade do Mestrado 'Novas Fronteiras do Direito', no ano académico 2004-2005.

 

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