Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE
Secção Autónoma de Direito
Mestrado "Novas Fronteiras do Direito"
Actualizado em Junho de 2005

Novas Fronteiras do Direito
no "site" do ISCTE

 

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Apontamentos sobre o texto de Niklas LUHMANN – “La observación sociológica del derecho” [tradução do original “Die soziologische Beobachtung des Rechts”, in : Würzburger Vorträge zur Rechtsphilosophie, Rechtstheorie und Rechtssoziologie, Frankfurt am Main, Alfred Metzner Verlag, 1986, 47 pp., tradução esta publicada na revista Crítica Jurídica, 12, “Homenaje a Renato Treves”, México,  Instituto de Investigaciones Jurídicas, 1993,  73 pp.]

por Nuno Miguel Pereira Ribeiro Coelho
Texto elaborado a partir de uma exposição feita no âmbito da disciplina 
Direito e Sociedade

A.        COMENTÁRIO SÍNTESE

B.         COMENTÁRIO DESENVOLVIDO

C.        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  

A. COMENTÁRIO SÍNTESE

I. A escolha, o contexto do artigo e o seu horizonte teórico.

a. Niklas Luhmann é, para nós, o fundador de um verdadeiro “novo mundo” teórico que marcou e continua a marcar, de forma indelével, as múltiplas abordagens da realidade jurídica e, de um modo mais claro, a abordagem sociológica do direito.

Trata-se de um dos autores mais sedutores ao nível da teorização social sobre a realidade do jurídico, no seu enquadramento mais vasto do sistema social, reconhecendo-se na sua obra uma deslumbrante capacidade de análise e de produção teórica, de oferta de um novo instrumental conceptológico ao meio cultural e científico das ciências sociais e do direito que se encontra perfeitamente assimilado pela mais recente discursividade do direito e da sociologia.

b. O texto em causa, publicado em 1986 (data do original), situa-se numa fase de consolidação da teoria dos sistemas, logo após o aparecimento da súmula da teoria sociológica Soziale Systeme, em 1984, obra central no pensamento de Luhmann. A partir de 1988 (até 1998) Luhmann vai consagrar os seus esforços à realização de uma sociologia dos diferentes subsistemas sociais, articulando aquela teoria geral com os diversos domínios sociais: a economia, a ciência, o direito (com “O Direito da Sociedade” de 1993), a arte, a religião, a política, a educação e a própria teorização sociológica da sociedade.

Neste contexto é que veio a surgir esta “observação sociológica do direito” de Luhmann, preocupado que se encontrava este autor com o porquê da distância tradicional entre o direito e a sociologia, e justificando a sua explicação com o enunciado de grande parte das questões que concentraram o seu percurso de sociólogo e de teórico do direito, desde a nuclear teoria dos sistemas auto-referentes e autopoiéticos aplicada ao campo do direito, devidamente caracterizada, até aos problemas que compõem a teoria e a dogmática jurídicas. Tudo para elucidar, a final, aquilo que distingue a “auto-observação” da “observação alheia ou heterónoma do direito”, e para esclarecer as condições estruturais que derivam da diferenciação funcional dos sistemas jurídico e científico nas sociedades modernas, a utilidade da sociologia do direito e as virtualidades do desenvolvimento dessa teoria sociológica para a investigação interdisciplinar.   

c. Assim, nesta sua “observação sociológica do direito”, Luhmann assume a tarefa de delinear uma genealogia da sociologia do direito para servir de base a uma definição da autonomia do seu específico objecto e para construir, depois, um mapa das sucessivas aproximações e distanciamentos entre a sociologia e o direito.

Sucedem-se neste texto em análise as citações de autores, de múltiplas origens disciplinares e críticas (sociólogos, cientistas, juristas, filósofos dos vários domínios {aqui incluindo a teologia}, hermeneutas, economistas, historiadores, politólogos, psicólogos sociais, entre outros), a propósito de um vasto conjunto de questões que fazem parte do universo teórico luhmanniano, numa busca constante dos vários sentidos possíveis e das plúrimas abordagens semânticas a propósito de cada tema ou conceito.

II. Em especial, a estrutura do texto e a reconstituição da investigação.

O texto em análise é, no fundo, um “artigo-síntese” que expõe de uma forma global e articulada aquele que se pode considerar como o entendimento mais maduro de Luhmann sobre a análise sociológica do direito, já enquanto teórico dos sistemas e portanto com uma visão descomprometida e mais objectiva sobre as duas disciplinas em causa: a sociologia e o direito.

Com este artigo - denso e rico de conteúdo - Luhmann procura obter, fundamentalmente, como vimos, respostas para a questão da recorrente dificuldade de relacionamento entre o direito e a sociologia, podendo ser encontrados, na sua abordagem, quanto a nós, quatro grandes domínios temáticos (que não correspondem à divisão numérica inscrita no texto).

Nessas quatro áreas temáticas vamos encontrar o inventário de grande parte da conceptologia luhmanniana, desde logo os conceitos fundamentais salientados nas aulas do Prof. Guibentif de “sistema social”, de “diferenciação funcional” e de “articulação estrutural” entre cada um dos sistemas e o seu ambiente.

Na primeira parte trata, Niklas Luhmann, da génese da sociologia e do seu objecto, onde se vai discernindo um enquadramento histórico do relacionamento entre a sociologia e o direito e as abordagens daquela ciência social à teoria e dogmáticas jurídicas.

Depois, numa segunda etapa, traça o horizonte de caracterização dos sistemas auto-referentes e do seu modo de operação autopoiético com recurso ao sentido de identidade e diferenciação do sistema, incluindo nessa categoria o direito.

A partir dessa caracterização dos sistemas auto-referentes Luhmann vai partir para o desenvolvimento de um método comparativo que fundamenta a análise sociológica do direito como observação alheia ou heterónoma do jurídico.

Assim colocado, munido já desse instrumento dual de análise (“auto” e “hetero” observação), Luhmann percorre, num terceiro passo, a sucessão das questões mais críticas da teoria e da dogmática jurídicas, enfrentando o desafio de delinear as explicações que dão corpo ao seu pensamento sistémico sobre o direito, isto a propósito da normatividade jurídica, da positividade e da validade do direito, da orientação pelas consequências, da argumentação jurídica e do princípio da justiça.

Numa quarta e última parte, Luhmann, em jeito de conclusão, questiona-se sobre a utilidade do papel da sociologia do direito, tanto no plano interno do desenvolvimento da teoria sociológica como a propósito da influência dessa mesma disciplina no contexto mais vasto da investigação interdisciplinar.

A sociologia enquanto observação externa e distanciada do sistema jurídico pode oferecer, afinal, à auto-observação da teoria do direito, afirma Luhmann, um outro sentido e uma outra superfície visível aos temas centrais suscitados: a normatividade jurídica, a positividade e a validade do direito, a orientação pelas consequências, a peculiaridade da argumentação jurídica e o princípio da justiça.

III. Conclusões e apreciações finais.

A proposta de Luhmann lançada neste artigo pode, na nossa óptica, ter a seguinte leitura: é preciso conhecer a “chave” deste sistema jurídico para melhor conseguir lidar com as suas características essenciais e com o seu mecanismo vital. O seu fechamento funcional e identificador e os limites da sua abertura, assumidos como condições da sua análise e da produção de modificações na sua estrutura e na sua substância.    

São particularmente ricas de consequências, quanto a nós, neste artigo, as explanações de Luhmann relativas:

a. - à natureza comunicante do sistema jurídico enquanto inserido na sociedade;

b. - ao carácter tautológico e paradoxal do funcionamento do sistema jurídico que convive com um discurso de encobrimento e de apologia da perfeição normativa;

c. - às potencialidades explicativas da hipótese autopoiética para o delineamento dos elementos constitutivos do sistema judicial (sub-sistema de realização ou aplicação do direito); e

d. - ao reconhecimento de uma fórmula de obtenção de um nível melhor e maior de relacionamento do direito com as ciências sociais que com ele concorrem na percepção e na actuação sobre a realidade social.
 

B. COMENTÁRIO DESENVOLVIDO.

I. A escolha, o contexto do artigo e o seu horizonte teórico.

a. A escolha de um autor como Niklas Luhmann e deste seu texto em particular serve, por um lado, razões de eleição de pesquisa para uma futura tese de mestrado e, por outro lado, motivos de apetência pessoal. Um crescente interesse por conhecer melhor, agora de um modo mais estruturado e disciplinado, este verdadeiro “novo mundo” teórico que marcou e continua a marcar, de forma indelével, as múltiplas abordagens da realidade jurídica e, de um modo mais claro, a abordagem sociológica do direito.

Trata-se de um dos autores mais sedutores ao nível da teorização social sobre a realidade do jurídico, no seu enquadramento mais vasto do sistema social, reconhecendo-se na sua obra uma deslumbrante capacidade de análise e de produção teórica, de oferta de um novo instrumental conceptológico ao meio cultural e científico das ciências sociais e do direito que se encontra perfeitamente assimilado pela mais recente discursividade do direito e da sociologia.

Basta aqui recordar, no mundo do direito, o pensamento sucessor de Günther Teubner na teoria do direito e com maior incidência no direito civil e económico, e de Günther Jakobs, com a sua teoria do delito no direito criminal. Ou mesmo no direito processual com a influência manifesta, agora não precisamente da teoria dos sistemas, mas da mais recuada “Legitimação pelo procedimento” (1969).

No decorrer da análise do texto ficam patentes as outras razões desta opção, mas pode-se acrescentar desde já que se trata, este mesmo texto, de um “artigo-síntese” que expõe de uma forma global e articulada aquele que se pode considerar como o entendimento mais maduro de Luhmann sobre a análise sociológica do direito, já enquanto teórico dos sistemas e portanto com uma visão descomprometida e mais objectiva sobre as duas disciplinas em causa: a sociologia e o direito. 

b. O texto em causa, publicado em 1986 (data do original), situa-se, na verdade, numa fase de consolidação da teoria dos sistemas, logo após o aparecimento da súmula da teoria sociológica Soziale Systeme, em 1984, obra central no pensamento de Luhmann e onde este lança uma formulação global e durável do conjunto dos elementos e da estruturação institucional dessa teoria geral. A partir de 1988 (até 1998) Luhmann vai consagrar os seus esforços à realização de uma sociologia dos diferentes subsistemas sociais, articulando aquela teoria geral com os diversos domínios sociais: a economia, a ciência, o direito (com “O Direito da Sociedade” de 1993), a arte, a religião, a política, a educação e a própria teorização sociológica da sociedade.

Neste contexto é que veio a surgir esta “observação sociológica do direito” de Luhmann, preocupado que se encontrava este autor com o porquê da distância tradicional entre o direito e a sociologia, e justificando a sua explicação com o enunciado de grande parte das questões que concentraram o seu percurso de sociólogo e de teórico do direito, desde a nuclear teoria dos sistemas auto-referentes e autopoiéticos aplicada ao campo do direito, devidamente caracterizada, até aos problemas que compõem a teoria e a dogmática jurídicas: a normatividade jurídica, a positividade e a validade do direito, a orientação pelas consequências, a peculiaridade da argumentação jurídica e o princípio da justiça (temas depois retomados com maior desenvolvimento no “O Direito da Sociedade” de 1993). Tudo para elucidar, a final, aquilo que distingue a “auto-observação” da “observação alheia ou heterónoma do direito”, e para esclarecer as condições estruturais que derivam da diferenciação funcional dos sistemas jurídico e científico nas sociedades modernas, a utilidade da sociologia do direito nesse conspecto e as virtualidades do desenvolvimento dessa teoria sociológica para a investigação interdisciplinar.   

c. Assim, nesta sua “observação sociológica do direito”, Luhmann assume a tarefa de delinear uma genealogia da sociologia do direito para servir de base a uma definição da autonomia do seu específico objecto e para construir, depois, um mapa das sucessivas aproximações e distanciamentos entre a sociologia e o direito, enumerando os autores de referência desse enquadramento simultaneamente evolutivo e temático. Com vista a esse desiderato parte substancial do artigo é dedicado a um visão dual - auto-observação v. hetero-observação - sobre as questões centrais da teoria e dogmática jurídicas acima aludidas, o que confere ao texto uma riqueza acrescida para o leitor que tenha uma formação assumidamente jurídica, no confronto gerado com análises diferenciadas das suas categorias e artefactos próprios, alargando os seus horizontes de compreensão das realidades jurídica e social.

Sucedem-se neste texto em análise as citações de autores, de múltiplas origens disciplinares e críticas (sociólogos, cientistas, juristas, filósofos dos vários domínios {aqui incluindo a teologia}, hermeneutas, economistas, historiadores, politólogos, psicólogos sociais, entre outros), a propósito de um vasto conjunto de questões que fazem parte do universo teórico luhmanniano, numa busca constante dos vários sentidos possíveis e das plúrimas abordagens semânticas a propósito de cada tema ou conceito.

O que não pode deixar de reflectir o conhecido método de trabalho do teórico dos sistemas, com a pesquisa de “palavras-chave” na sua caixa de fichas e de índices – que lhe possibilitou múltiplas conexões entre as entradas existentes – e com a mecânica associativa de pensamento que lhe está inerente. Mas também um hiper e invejável domínio (se se pode assim dizer) de vários conteúdos temáticos e de múltiplos saberes que entronca num discurso síntese de articulação complexa mas que é impulsionado pelas ideias centrais mais simples e unitárias do funcionamento sistémico.

Confirma-se justamente esta acepção no rol de autores que vamos encontrando neste texto em abordagem a propósito: 

            - da génese da sociologia e da definição histórica do seu objecto, com referências aos defensores da integração normativa ou “inclusão moral” - Durkheim / Talcott Parsons - e da teoria da acção - Philippe Van Parijs e C. Wright Mills -;

            - do enquadramento histórico do relacionamento entre a sociologia e o direito, a começar por Hermann Kantorowicz, e das razões do distanciamento entres essas disciplinas - Helmut Schelsky e Gilbert Geis -;

            - da multiplicidade das possíveis áreas de abrangência da sociologia e do deficit de análise desta disciplina também no que respeita à abordagem da dogmática jurídica, não obstante os esforços mais ambiciosos, em termos gerais, de Max Weber, Scheler, Simmel, Mannheim ou mesmo de Norbert Elias com a sua teoria do processo da civilização;

            - da teoria dos sistemas auto-referentes e autopoiéticos -  na sua componente original da biologia com Humberto Maturana e Francisco Varela e na sua acepção mais ampla com Milan Zeleny, Paul Dumouchel, Jean-Pierre Dupuy, Hans Ulrich e Gilbert J. B. Probst  - e desta teoria dos sistemas sociais (remissão para a sua obra Soziale Systeme. Grundrib einer allgemeinen Theorie) como auxiliar da análise do relacionamento distanciado da sociologia;

            - dos limites da lógica valorativa sobretudo no que respeita aos objectos auto-reflexivos e aos factos sociais - Ranulph Glanville, Gottard Günther e remissão para as suas obras que reflectem estas preocupações para os vários sistemas funcionais com características de auto-referência (política, arte, economia e ciência) - e das virtualidades explicativas da autonomia dos sistemas sociais funcionais para a compreensão do jurídico;

            - da caracterização dos sistemas auto-referentes no que respeita ao seu fechamento e abertura relativamente ao seu ambiente externo - Heinz von Foerster, Henri Atlan e o citado Francisco Varela -, do seu modo de operação autopoiético com recurso ao sentido de identidade e diferenciação do sistema - a sua obra Soziale System e George Spencer Brown -, da tautologia inerente a essas operações de identidade sistemática  - Sidney Shoemaker e Henrich Dieter -, da sua produção de paradoxos internos e de uma teia confusa de hierarquias em virtude da operação de auto-referência e da utilização da negação no funcionamento interno e normal do sistema - Torsten Eckhoff e Nils Kristian -,  e dos colapsos ocasionados pela diferença entre sistema e ambiente aplicada dentro do próprio sistema - Douglas R. Hofstadter, Josef Esser, Walter Benjamim e Eliglio Resta -;  

            - do discurso interno no sistema que tende a assumir um relacionamento oculto com o paradoxo e a tautologia, afastando, por encobrimento, a expressão da arbitrariedade e do bloqueio nas operações respectivas - Paul Dumouchel -;

            - da utilização dos critérios operativos de caracterização do direito como sistema auto-referente para o desenvolvimento de um método comparativo e para fundamentar a observação sociológica do direito como observação alheia ou heterónoma do jurídico, para além das tradicionais soluções de cariz semântico ou fórmulas metafóricas (v.g. da violência)  -  Hans Blumenberg, Jean-Jacques Rousseau, René Girard, Michel Aglieta, André Orléan, Otthein Rammstedt, os citados Francisco Varela,  Van Parijs e Spencer Brown,  e o próprio autor em Die Theorie der Ordnung und die natürlichen Rechte -;

            - da auto-observação e da hetero-observação de determinadas questões centrais da teoria e da dogmática jurídicas, como acontece com a normatividade jurídica - o próprio autor em Die Einheit des Rechtssystems e Rechtssoziologie, Lawrence M. Friedman, os citados Max Weber e Emile Durkheim, Nicholas S. Timasheff, Theodor Geiger, Paul Bohannan, Rüdiger Lautmann, Milton Omam, Richard F. Tomasson, Shalom H. Schwartz, Sybille Sukale-Wolff, Barbara Frankel, Heinrich Popitz, Gerd Spittler e Rolf Ziegler -, a positividade e a validade do direito – o próprio autor em Die juristische Rechtsquellenlehre aus soziologischer Sicht, Jürgen Bluhdorn, Ciro Spontone, Norbert Achterberg, Werner Krawietz, o citado Max Weber, Bernd Rüthers -, a orientação pelas consequências – o próprio autor em Rechtssystem und Rechtsdogmatik, Ronald Dworkin,Gunther Teubner, Reinhard Damm, Christian Schöneborn, Thomas Sambuc, Thomas W. Wälde, Ts. Königstein, Gertrude Lübbe-Wolf, Hubert Rottleuthner, Wienfried Hassemer, Johann Gottlieb Buhle, Edwin Norman Garlan, Richard B. Brandt e Otfried Höffe -, a peculiaridade da argumentação jurídica – Kenneth Arrow, Adalbert Podlech, Herbert A. Simon, Anatol Rappaport, Albert R. Chamnah, Amélie O. Rorty, Theodor Viehweg, Chaim Perelman, Werner Krawietz, Robert Alexy, o citado Helmut Schelsky, Jan Ray, Joachim Hruschka, Elmar Bund, Werner Hardwig, Dieter Nörr, Jan Schapp, Alois Hahn, o próprio autor em Legitimation durch Verfahren, Vilhelm Aubert, Michel Gauchet, Jürgen Habermas, o citado Talcott Parsons, Paolo Cappellini, Helmut Coing, Claus-Wilhelm Canaris, Hans-Martin Pawlowski, Werner Krawietz, Franz-Josef Peine - e o princípio da justiça – Aristóteles, Arthur Kaufmann, Jean Delumeau, Peter Michael Spangenberg, o citado Ciro Spontone, Jacques Necker, Melvin J.Lerner, Richard G. Graf, Duane Green, Leibniz, o citado Walter Benjamim, Roy A. Rappaport, Edmond N. Cahn, o citado Joseph Esser, Karl Popper, Siegfried J. Schmidt, o próprio autor em Gerechtigkeit in den Rechtssystemen der modernen Gesellschaft, Ralf Dreier e Vilhelm Aubert -; 

            - e, como conclusão,  da utilidade directa da sociologia do direito no plano interno do desenvolvimento da teoria sociológica e da influência dessa mesma disciplina no contexto mais vasto da investigação interdisciplinar, em que as diferenças indissolúveis entre a auto-observação e a observação alheia do sistema jurídico servem para fundar, afinal, embora com grandes reservas relativamente a interpenetrações que não sejam ocasionais, um sentido unitário do reconhecimento do idêntico na diferença com a ampliação dos âmbitos de contacto mediante a discussão teórica direccionada a suscitar (com “ruído” e irritação) alterações na semântica e no património tradicional de um sistema funcional autopoiético como o direito -  Klaus-Jurgen Philippi, Kurt Lüscher, Rüdiger Lautmann, Karl-Dieter Opp, Richard Münch, o citado Talcott Parsons, Trutz Rendtorff, Eilert Herms, Wolfhart Pannenberg, o próprio autor em Die Allgemeingültigkeit der Religion, Gerhard Sauter e Frithard Scholz -.  

II. Em especial, a estrutura do texto e a reconstituição da investigação.

Com este artigo – denso e rico de conteúdo – Luhmann procura obter, fundamentalmente, como vimos, respostas para a questão da recorrente dificuldade de relacionamento entre o direito e a sociologia, podendo ser encontrados, na sua abordagem, quanto a nós, quatro grandes domínios temáticos (que não correspondem à divisão numérica inscrita no texto).

Nessas quatro áreas temáticas vamos encontrar o inventário de grande parte da conceptologia luhmanniana, desde logo os conceitos fundamentais salientados nas aulas do Prof. Guibentif de “sistema social”, de “diferenciação funcional” e de “articulação estrutural” entre cada um dos sistemas e o seu ambiente.

Na primeira parte trata, Niklas Luhmann, da génese da sociologia e do seu objecto, onde se vai discernindo um enquadramento histórico do relacionamento entre a sociologia e o direito e as abordagens daquela ciência social à teoria e dogmáticas jurídicas.

Depois, numa segunda etapa, traça o horizonte de caracterização dos sistemas auto-referentes e do seu modo de operação autopoiético com recurso ao sentido de identidade e diferenciação do sistema, incluindo nessa categoria o direito.

Essa caracterização -  dos sistemas auto-referentes - é articulada da seguinte forma:

            - os sistemas auto-referentes (autopoiéticos) são fechados quanto à sua reprodução mas também simultaneamente abertos porque a reprodução se concretiza num ambiente de irritação e perturbação constantes, em que a “ressonância” de um dado sistema depende das suas estruturas internas e dos seus estados momentâneos e em que a sua autonomia se concebe como auto-regulação das suas dependências e independências por vias de mecanismos articulados de fechamento e de entrada no sistema;

            - os sistemas auto-referentes empregam o sentido como modo de operação autopoiética, observando-se e descrevendo-se a si mesmos, reintroduzindo a sua própria unidade como identidade do sistema e diferenciação deste relativamente ao seu ambiente;

            - os sistemas auto-referentes encaram a sua própria identidade sistémica como operações tautológicas (“para o sistema jurídico é direito o que é direito para o sistema jurídico” - assim, “La observación sociológica do direito”, op. cit., pp. 80-81);

            - os sistemas auto-referentes geram paradoxos internos e  uma teia confusa de hierarquias em virtude da operação de auto-referência e da utilização da negação no funcionamento interno e normal do sistema, originando por vezes colapsos por via da diferença entre sistema e ambiente aplicada dentro do próprio sistema;

            - os sistemas auto-referentes reproduzem um discurso interno pelo qual se tende a ocultar o paradoxo e a tautologia, afastando, por encobrimento, a expressão da arbitrariedade e do bloqueio nas operações respectivas; e

            - o direito é um sistema auto-referente e autopoiético que baseia as suas distinções básicas e a sua identidade no código binário específico Recht / Unrecht (lícito / ilícito ou pretensão fundamentada / pretensão não fundamentada).

A partir dessa caracterização dos sistemas auto-referentes Luhmann vai partir para o desenvolvimento de um método comparativo que fundamenta a análise sociológica do direito como observação alheia ou heterónoma do jurídico.

Assim colocado, munido já desse instrumento dual de análise (“auto” e “hetero” observação), Luhmann percorre, num terceiro passo, a sucessão das questões mais críticas da teoria e da dogmática jurídicas, enfrentando o desafio de delinear as explicações que dão corpo ao seu pensamento sistémico sobre o direito, isto a propósito da normatividade jurídica, da positividade e da validade do direito, da orientação pelas consequências, da argumentação jurídica e do princípio da justiça.

Afirma, nesta mesma terceira parte do artigo, um conceito sociológico de norma, depois de discutir os pressupostos do sentido jurídico-normativo perante os factos e numa inserção sistémica de auto-referência, em que preponderam as funções primárias atribuídas ao direito, como mecanismo de “institucionalização”, traduzidas no “assegurar expectativas” e no “direccionar condutas”.

Ultrapassando o enquadramento histórico da validade e da positividade do direito, com o delineamento progressivo da lei enquanto argumento maior da validade do direito e o afastamento da legitimação do jurídico para as áreas do político, vai conceber, ainda, a positivização do direito enquanto recíproco da diferenciação do sistema jurídico e da sua autonomia autopoiética. Isto é, a validade do direito só é possível se for “positiva”, o que é dizer, se for colocada pelo próprio direito, embora essa mesma validade esteja inserida num ambiente de relativa instabilidade que admite modificações fundadas numa decisão gerada no próprio sistema jurídico e com ele congruente. Neste ponto, afirma Luhmann, a observação sociológica, externa ao sistema, é capaz de compreender melhor, por exemplo, as razões do défice de legitimação do sistema jurídico e da justiça quando fragilizados pela comunicação social, descobrindo como auto-referência a autopoiesis do direito e como tautologia a unidade do sistema simultaneamente referente e referido (“La observación sociológica del derecho”, op. cit., pp. 91) 

Por outro lado, neste mesmo terceiro ponto, Luhmann confere grande importância aos desenvolvimentos da chamada dogmática da “orientação pelas consequências”, considerando de alguma forma estranha ao sistema essa “viragem empírica”, isto porque se torna simultaneamente necessário e impossível ao jurista o encontrar-se preocupado pelos interesses afectados pela decisão jurídica e o conhecer as consequências futuras da sua actividade, desde logo por via da incerteza natural do futuro e da autoridade legal e formal que foi conferida às suas resoluções. Ainda assim, esclarece Luhmann, a orientação pelas consequências apenas pode ser reconhecida como um atributo das prerrogativas oficiais do poder legislativo e do poder judicial e não para os “clientes normais” do sistema, sob pena de se vir a gerar um preocupante colapso na comunicação auto-referencial do direito (na operacionalidade do código recht / unrecht) e de se vir a reduzir o direito a uma engenharia social. Caberá então ao sociólogo, segundo define Luhmann, impor uma razoável distância entre o uso oficial e não oficial do direito, segundo a qual a programação das decisões estipule um conjunto de critérios segundo os quais os que venham a ser afectados pelas decisões não possam escolher para si próprios os pressupostos dessas mesmas decisões.  

Também assim, no domínio da análise da dogmática jurídica, Luhmann segue com a análise da teoria da argumentação jurídica, assumida como a busca de formas e possibilidades da racionalidade e da fundamentação das opiniões e das decisões jurídicas, sobretudo no apelo à tópica e à retórica, sempre encaradas como um sintoma da diferenciação do direito. O interesse pelos modos de argumentação, que fizeram, na opinião de Luhmann, quase esquecer os efeitos sociais do direito, são aqui tomados, não como mera busca de razões/fundamentos ou de um reforço das potencialidades de persuasão/convencimento, mas sobretudo como formas de obtenção de um consenso apoiado intersubjectivamente (na acepção de Habermas ou de Alexy). Para resolver a incidência casuística e aleatória da realidade factual o direito intervém estabelecendo entre os casos uma conexão jurídica, uma causalidade e uma problemática com recurso aos meios internos de autodescrição do sistema jurídico, sendo essa função assumida pela argumentação (veja-se a menção à “argumentação problemática” de Viehweg). Ainda aqui o sistema intervém com o seu método sistemático, como conexão autolimitativa dos argumentos, sempre tendo a redundância como elemento integrante ou evento contextualizante. Neste enquadramento a sociologia, enquanto hetero-observação, deve perguntar sobretudo pela função da argumentação não se contentando aqui com a resposta tautológica da disponibilização de fundamentos ou razões, antes verificando que ao se imporem estruturas regulativas da vida quotidiana se incrementa a casuística como reacção imunitária da vida ou a componente acidental da vida social. A argumentação actua aqui, nessa óptica, como “contraveneno”, quebrando o concretismo e a complexidade incontrolável do detalhe, impondo limites sistemáticos à incerteza circulante do sistema jurídico e superando a clausura inerente a esse funcionamento.

Sobre o problema da justiça Luhmann defende que a estruturação do sistema jurídico, organizado nas suas operações segundo a diferença recht / unrecht como código e programação, vem romper com a histórica arquitectura hierárquica encimada pela perfeição do bom, do verdadeiro e do justo, pois aquele outro mecanismo moderno (actual) de diferenciação do direito veio mediatizar todos os demais códigos (v.g. verdadeiro/falso e útil/danoso). A reflexão interna do sistema coloca vários problemas distintos no que respeita à ideia de justiça, estando o enquadramento desta inserido numa dimensão de dificuldade e de acordo com a complexidade inerente ao sistema jurídico. O princípio da justiça, nesse delineamento, está em ligação com a componente de redundância de toda a argumentação, com o postulado da determinação do direito por ele próprio, com a teoria da reprodução fechada, autopoiética e auto-referente do sistema jurídico e com o influxo desordenado de todos os elementos externos ao direito. A dualidade auto-observação / hetero-observação entra aqui como factor de redução dessa complexidade, com o enunciado das condições estruturais de que derivam, na sociedade moderna, a diferenciação funcional dos sistemas jurídico e científico.

Numa quarta e última parte, Luhmann, em jeito de conclusão, questiona-se sobre a utilidade do papel da sociologia do direito, tanto no plano interno do desenvolvimento da teoria sociológica como a propósito da influência dessa mesma disciplina no contexto mais vasto da investigação interdisciplinar.

Planos esses em que as diferenças indissolúveis entre a auto-observação e a observação alheia do sistema jurídico servem para fundar, afinal, embora com grandes reservas relativamente a interpenetrações que não sejam ocasionais, um sentido unitário do reconhecimento do idêntico na diferença com a ampliação dos âmbitos de contacto mediante a discussão teórica direccionada a suscitar (com “ruído” e irritação) alterações na semântica e no património tradicional de um sistema funcional autopoiético como o direito. Tudo isto com o esclarecimento das condições estruturais que derivam da diferenciação funcional dos sistemas jurídico e científico nas sociedades modernas e com um cepticismo marcado quanto às vulgares apreciações distintivas teoria / experiência ou teoria / prática.

A sociologia enquanto observação externa e distanciada do sistema jurídico pode oferecer, afinal, à auto-observação da teoria do direito, afirma Luhmann, um outro sentido e uma outra superfície visível aos temas centrais suscitados: a normatividade jurídica, a positividade e a validade do direito, a orientação pelas consequências, a peculiaridade da argumentação jurídica e o princípio da justiça.

III. Conclusões e apreciações finais.

O texto apresenta-se – assim tivemos ocasião de afirmar logo de início – como uma súmula do pensamento mais actualizado de Luhmann sobre a análise sociológica do direito, já enquanto teórico dos sistemas e portanto com uma visão descomprometida e portanto mais objectiva sobre as duas disciplinas em causa: a sociologia e o direito.

Quanto a este último ficaram bem demarcadas neste artigo todas as questões que preenchem a visão de Luhmann sobre o jurídico, não já como estrutura funcional da sociedade (como acontecia na primeira fase da sua investigação teórica) mas sim como (sub-)sistema integrado no mais vasto sistema social, paradigma que dá sentido à localização do direito na sociedade (o 1º capítulo do mais recente “O Direito na Sociedade” é dedicado, justamente, à tarefa de localização da teoria do direito).

A proposta de Luhmann lançada neste artigo pode, na nossa óptica, ter a seguinte leitura: é preciso conhecer a “chave” deste sistema jurídico para melhor conseguir lidar com as suas características essenciais e com o seu mecanismo vital. O seu fechamento funcional e identificador e os limites da sua abertura, assumidos como condições da sua análise e da produção de modificações na sua estrutura e na sua substância. Apontando qual a estratégia e os instrumentos para conseguir as reformas do direito e dos seus subsistemas.    

São particularmente ricas de consequências, quanto a nós, neste artigo, as explanações de Luhmann relativas:

a. - À natureza comunicante do sistema jurídico enquanto inserido na sociedade, que, embora autopoiético e fechado quanto à sua diferenciação, pode sempre servir (quanto a nós) - e tem servido - de fundamento sofisticado a visões mais humanizadas da vida do direito, em que o humano (indivíduo) possa vir a ser articulado essencialmente com o social, na dimensão irrecusável da linguagem, da palavra e da comunicação de onde, verdadeiramente, quanto a nós,  ressalta o fenómeno do jurídico. Esta acepção formula que toda a comunicação humana em geral, encarada no seu aspecto central de meio de entendimento e de coordenação da acção (no estabelecimento de relações interpessoais), além de carrear uma pretensão de verdade ou de autenticidade (de fidelidade à própria identidade pessoal), desperta nos outros expectativas quanto à futura conduta do agente. No fundo a essência de todo o agir ou interagir comunicativo de que fala Habermas, que se integra de forma radical nas funções primárias atribuídas, por Luhmann, ao direito, como mecanismo de “institucionalização”. Funções estas traduzidas no “assegurar expectativas” e no “direccionar condutas”, e que se conjugam, num segundo momento de análise, na dimensão normativa do jurídico. “Assegurar desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das «pessoas responsáveis», fundada na própria credibilidade que estas condutas reivindicam.” “(...) Dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as probabilidades de certas condutas no futuro”, podem ser as melhores definições dessas “funções primárias” do direito (Baptista Machado).

b. - Ao carácter tautológico e paradoxal do funcionamento do sistema jurídico que convive, para a sua integridade e consistência, com um discurso de encobrimento e de apologia da perfeição normativa, sabendo-se que se encontra cada vez mais disseminada essa ideia desconstruída e transparente do direito, pressuposto das novas visões sobre o jurídico. O direito encarado nas características pretendidas da ductilidade, da flexibilidade, da reflexibilidade e da maleabilidade, mais preparado a lidar com o caos do que com a ordem, privilegiando a regulação ao dirigismo normativo, colmatando os colapsos do funcionamento do código binário ou, noutra perspectiva (Teubner: 2001), motivando o funcionamento de cadeias de códigos binários próprias de um direito pluri-contextual (resultado da complexificação do mecanismo da articulação estrutural) por virtude do fenómeno de globalização e da clarificação desse pluralismo jurídico (v.g. lex mercatoria v. legislação estatal). 

c. - Às potencialidades explicativas da hipótese autopoiética que não podem deixar de servir, também, para o delineamento dos elementos constitutivos do sistema judicial (sub-sistema de realização ou aplicação do direito) e da procura dos seus referenciais organizativos e de interacção, dos padrões do discurso comunicativo que alimentam a sua subsistência e perpetuidade (comunicação enquanto processo dinâmico, circular e auto-perpetuado de interacção simbólica).

d. - E, por último, ao reconhecimento de uma fórmula de obtenção de um nível melhor e maior de relacionamento do direito com as ciências sociais que com ele concorrem na percepção e na actuação sobre a realidade social. Numa altura em que se convocam novas lógicas “post-disciplinares” para compreender determinadas questões que são transversais aos vários domínios sociais e humanos, e em que se acentua um certo relativismo ético-político que admite como admissível a diversidade (pluralidade) de respostas e de opiniões relativamente aos mesmos problemas (numa conjugação de forças centrífugas), não deixa de ser no mínimo interessante a fórmula apontada por Luhmann para obter um sentido unitário do reconhecimento do idêntico na diferença, com a ampliação dos âmbitos de contacto entre o direito e a sociologia, mormente a discussão teórica direccionada a suscitar (com “ruído” e irritação) alterações na semântica e no património tradicional de um sistema funcional autopoiético como o direito; uma perspectiva de grande enriquecimento teórico e prático para um jurista (disse “teórico” e “prático” quebrando aqui o cepticismo melancólico - desencantado - de Luhmann para com a clássica distinção kantiana razão teórica / razão prática), no confronto gerado com análises diferenciadas das suas categorias e artefactos próprios, alargando os seus horizontes de compreensão das realidades jurídica e social e possibilitando-lhe uma outra geografia para, talvez quem sabe, traçar novas fronteiras para o direito ou fundar novos saberes alternativos.

C. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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Trabalho de estudante elaborado por Nuno Miguel Pereira Ribeiro Coelho no âmbito da disciplina Direito e Sociedade do Mestrado 'Novas Fronteiras do Direito', no ano académico 2004-2005.

 

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